quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

humildade

Tudo é tão vago e intenso que às vezes
sento no meio-fio do meu corpo.
Olho para mim como se não tivesse feito nada.
E não ardo em compaixão, muito menos orgulho,
mas me lembro do esforço que fiz
para chegar aqui e falar e de repente me calo.
Assim como me calei outras vezes
e em seguida falei o que deveria ter dito
para ninguém ouvir, nem eu.
Não, não conseguirei ser compreendido
porque não compreendo tão rápido.
Compreendo devagar, na insolação do silêncio.
Meus momentos de maior apreensão era cruzar
os braços na classe antes do final da aula.
O cheiro de janela da minha mesa verde.
Os cadernos engavetados na mochila,
ao lado da térmica e da maçã. Os desenhos
que não completei. As notas que não consegui.
Os braços de giz da professora aguardando o sinal.
A cadeira de madeira dura e quadrada.
A teimosia da cabeça que se levantava
para verificar se os colegas
me acompanhavam no abandono.
O estômago subindo à garganta.
A vida tem essas tréguas,
onde deixo de existir por alguns minutos.
E Deus me libera a pensar sem conselhos ou ordens.
As camisas abotoadas. Os ouvidos limpos.
As unhas roídas. A fila indiana.
Carregar a criança no colo, depois segurar
sua mão nos passeios, receber seu abraço
de girar a cintura, perder o contato,
retomar o traço, voltar a dar as mãos,
até ser carregado pelo filho à cama
e pedir para que ele conte a história de sua vida.
Encontrar a humildade para dormir,
dormir no meio de sua voz,
na única voz que me liberta da minha.
[Fabrício Carpinejar]

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