sábado, 28 de novembro de 2009

Era assim

Dá-me a tua mão

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
[Clarice Lispector]

Sem título

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ensinamento

Nesta ausência

Casamento


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não.
A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinho na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
[Adélia Prado]

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sempre de vez em quando


Às seis da tarde

Ás seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.
Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução
[Marina Colasanti]

iluminado


A Vida

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai;
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou.
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!
[João de Deus]

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A Paz

Se eu te pedisse a paz, o que me darias
pequeno insecto da memória de quem sou
ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz,
a pedra do silêncio cobrindo-me de pó,
a voz limpa dos frutos, o que me darias
respiração pausada de outro corpo
sob o meu corpo?

Perdoa-me ser tão só,
e falar-te ainda do meu exílio.
Perdoa-me se não te peço a paz.
Apenas pergunto: o que me darias
em troca se te pedisse?
O sol? A sabedoria?
Um cavalo de olhos verdes?
Um campo de batalha para nele
gravar o teu nome junto ao meu?
Ou apenas uma faca de fogo, intranquila,
no centro do coração?

Nada te peço, nada.
Visito, simplesmente,o teu corpo de cinza.
Falo de mim, entrego-te o meu destino.
E a morte vivo só de perguntar-te:
O que me darias se te pedisse a paz
e soubesses de como a quero construída
com as matérias vivas da liberdade?

Casimiro de Brito,
in Jardins de Guerra

Eros e Philía

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Regresso à Luz

Eu não sei se a luz na infância
é uma casa ou uma coisa.
Um brinquedo ou um lugar
onde se acolhem
as primeiras sementes do exílio.
Sei que minha filha
se senta nela, nessa luz menina.
São sentinela uma da outra.
E regresso
à luz que foi minha,
gentil e se partiu.
Regresso
à luz branca do mar
à luz macia dos poços da noite
ao fogo efémero que afagou
as fendas do corpo.
Saltam
peixes, precipitam-se no ar
com suas bocas sedentas
de luz — a minha também.
Apodrecem
restos de ouvidos
que me ouvem cantar.
E já não sei
brincando com a filha
se a luz é memória
ou domicílio.
[Casimiro de Brito]

domingo, 22 de novembro de 2009

Quem morre ?

Quem você pensa que é ?

perguntou pra mim de queixo em pé...
Sou forte,
fraca,
generosa,
egoísta,
angustiada,
perigosa,
infantil,
astuta,
aflita,
serena,
indecorosa,
inconstante,
persistente,
sensata e corajosa,
como é toda mulher,
poderia ter respondido,
mas não lhe dei essa colher.
[Martha Medeiros]

A todos...

Não disse nada

Amor de tarde

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são quatro
e termino a planilha e penso dez minutos
e estico as pernas como todas as tardes
e faço assim com os ombros para relaxar as costas
e estalo os dedos e arranco mentiras.

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são cinco
e eu sou uma manivela que calcula juros
ou duas mãos que pulam sobre quarenta teclas
ou um ouvido que escuta como ladra o telefone
ou um tipo que faz números e lhes arranca verdades.

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são seis.
Você podia chegar de repente
e dizer e aí ? e ficaríamos
eu com a mancha vermelha dos seus lábios
você com o risco azul do meu carbono.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Há poetas com musa

Penso e passo

Quando penso
que uma palavra
pode mudar tudo
não fico mudo
MUDO

Quando penso
que um passo
descobre um mundo
não paro o passo
PASSO

e assim que
passo e mudo
um novo mundo nasce
na palavra que penso

Alice Ruiz

Figurante

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O cemitério dos bichos

Aspiração

Hoje eu quero
um poema transparente,
semelhante à lágrima
que iludiu meus olhos desatentos.
Um poema capaz de coragem,
desses que podem ser ouvidos
na chuva, na greve, ao fim
da batalha perdida.

Um poema capaz de resistir
como o granito ao vento,
como o homem resiste
se o aço lhe alcança o ombro.

Um poema capaz de liberdade.
Capaz de falar nesta hora noturna
quando todos dormem, e o silêncio oficial
amordaçou as cantigas do meu povo.

Pedro Tierra
in Poemas do povo da noite.

Linha de Fé

poética de combate

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Dia de outono

Senhor, é Tempo! O verão foi grandioso.
Coloque sua sombra no relógio-de-sol,
E deixe embora os ventos nos campos.

Ordene as últimas frutas,
para estarem maduras,
Dê a elas ainda dias quentes,
Deixe-as ficarem maduras logo e retire
A última açucarada no vinho forte.

Quem não tem casa agora,
não construirá mais nenhuma
Quem está sozinho agora,
ficará assim por longo tempo,
Irá despertar, ler e escrever longas cartas,
E ficará andando pelas avenidas
para cá e para lá sem
Sossego, quando as folhas brotarem.

Rainer Maria Rilke
tradução:Carlos Bechtinger

Camadas

Hora Severa

domingo, 15 de novembro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

autodefesa

Esse olhar

Esse olhar parado
sem hoje nem passado
Esse olhar sem espera
como canto preso
em boca entreaberta
Esse olhar cansado
desfeito
sem jeito
não grita
não chora
Esse olhar desarmado
como barco sem leme
existe,
não posso ignorá-lo.

Eugénia Tabosa
pedaços de mim

Sentidos

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

E se eu fosse um raio de luz?!

Se eu fosse um raio de luz
que no céu corre a brilhar
um pequeno raio de luz
que cor teria ao teu olhar?

Se eu fosse um raio de luz
que entre nuvens vai brincar
um pequeno raio de luz
que farias para me achar?

Se eu fosse um raio de luz
que vive no meio do ar
um pequeno raio de luz
como saberias me amar?

E se eu fosse um raio de luz
Que mal se pode enxergar
um pequeno raio de luz
como poderias me pegar?

[Eugénia Tabosa]

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

segunda-feira, 9 de novembro de 2009