segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

domingo, 30 de janeiro de 2011

É brando...



É brando o dia, brando o vento,
É brando o sol e brando o céu.
Assim fosse meu pensamento !
Assim fosse eu, assim fosse eu !

Mas entre mim e as brandas glórias
Deste céu limpo e este ar sem mim
Intervêm sonhos e memórias...
Ser eu assim, ser eu assim !

AH, O MUNDO É QUANTO NÓS TRAZEMOS.
EXISTE TUDO PORQUE EXISTO.
HÁ PORQUE VEMOS.
É TUDO ISTO, TUDO ISTO !


Fernando Pessoa in Poemas selecionados

João, 1, 14

Relatam as histórias orientais
uma de um REI DO TEMPO, que servido
de tédio e esplendor, vai escondido
e sozinho percorrer os arrebaldes

e perder-se na confusão das gentes
de rudes mãos e de obscuros nomes;
hoje, tal como aquele Emir dos Crentes,
Harum, Deus quer andar em meio aos homens

e nasce de uma mãe, tal como nascem
as linhagens que em poeira se desfazem,
e ser-lhe-á entregue o orbe inteiro,

Ar, água, pão, manhãs, pedras e lírio,
só que, depois,
O SANGUE DO MARTÍRIO,
A ZOMBARIA, OS PREGOS, E O MADEIRO.

Jorge Luis Borges in o outro, o mesmo
imagem - arte de desiree dolron

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

mas sabes...



"daqui a pouco levanto-me o corpo
devolvo-me o rosto
e de regresso à fotografia vazia tentarei
um olhar que te diga meu amor tão pouco meu
nada do que sangraste importa
agora. o que me escreveste na pele
apagou-se na cama no sono demasiado
longo. mas sabes o meu coração nunca abranda
o suficiente para te morrer."

Pedro Jordão

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011



" Ah como eu queria
encontrar a palavra
que mesmo calada
tivesse a força
de ser tudo
sem dizer nada "

Isabel Solano
imagem deviantart.com


(…)
Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espectáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis.
(…)

Fernando Pessoa in Livro do Desassossego

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

alguém



Um homem trabalhado pelo tempo,
um homem que nem sequer espera a morte
(as provas da morte são estatísticas
e não há ninguém que não corra o risco
de ser o primeiro imortal),
um homem que aprendeu a agradecer
as modestas esmolas dos dias:
o sonho, a rotina, o sabor da água,
uma não suspeitada etimologia,
um verso latino ou saxão,
a lembrança de uma mulher que o abandonou
já faz tantos anos
que hoje pode recordá-la sem amargura,
um homem que não ignora que o presente
já é o futuro e o esquecimento,
um homem que foi desleal
e com quem foram desleais
pode sentir de repente, ao cruzar a rua,
uma misteriosa felicidade
que não vem do lado da esperança
mas sim de uma antiga inocência,
de sua própria raiz ou de um deus disperso.

Sabe que não deve olhá-la de perto,
porque há razões mais terríveis que tigres
que lhe demonstrarão seu dever
de ser um desventurado,
porém humildemente recebe
essa felicidade, esse lampejo.

Talvez na morte para sempre sejamos,
quando o pó for pó,
essa INDECIFRÁVEL RAIZ,
da qual para sempre crescerá,
equânime ou atroz,
nosso solitário céu ou inferno.

Jorge Luis Borges in o outro o mesmo

domingo, 23 de janeiro de 2011



The walls around my heart
It is Sunny but cloudy inside…

O girassol



"Não te surpreendas amigo se nada mais desejo.
PRECISO DO TEMPO TODO PARA SEGUIR O SOL."

Angelus Silesius in A religião do girassol
imagem - arte de Denis Olivier

retoma-te



Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te à imagem do mar.
Dá-te à sede das praias.
Dá-te à boca azul do céu.
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.

Cecília Meireles


" Anjos, existem Anjos ?
Volúveis seres que são um instante de voluptuosa brisa
em que o tempo é a forma do desejo
e do sono das folhas e das águas.
Anjos, sim, de terra, que segredam
a argila dos nomes, o movimento azul
do ar. Na sua companhia eu sou o vento
e o meu hálito confunde-se com as suas vozes."

António Ramos Rosa

sábado, 22 de janeiro de 2011



"Deixemos de olhar as folhas caídas
nos musgos verdes da complascência.
Vamos amarrotar os silêncios
já gastos nas arestas
das nossas vozes cansadas
e afundar-nos na liquidez apaziguadora
dos olhares antes que ela se faça lágrima."

Lídia Borges

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



"somos uma árvore nem sempre
pensada. vimos uns dos outros como
se fossemos terra uns dos outros, terra e
sangue, ágil sobre o tempo por
instinto e uma certa paixão. somos
uma árvore nem sempre erguida.
temo-nos uns aos outros como
causas e efeitos em busca dos
caminhos e uma certa paixão.
somos uma árvore nem sempre
razoável. magoamo-nos uns aos
outros como necessitados de coisas
más sem grandes razões e de
uma certa paixão."

Valter Hugo Mãe

o sonho



Se o sonho fosse (como dizem)
uma trégua, um puro repouso de tua mente,
por que, se te despertam bruscamente,
sente que te roubaram a fortuna ?
Por que é tão triste madrugar ? A hora
nos despoja de um dom inconcebível,
tão íntimo que é apenas traduzível
numa modorra que a vigília doura
de sonhos, que bem podem ser reflexos
incompletos dos bens que estão na sombra,
de um orbe intemporal que não tem nome
e que o dia deforma em seus espelhos.
QUEM SERÁS ESTA NOITE NO SOMBRIO SONHO,
DO OUTRO LADO DE SEU MURO ?

Jorge Luis Borges in o outro, o mesmo

frase


vôo



"Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicolores, as palavras voam.
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
[...]
Oh! alto e baixo, em círculos e retas em cima de nós,
em redor de nós as palavras voam.
E às vezes pousam."

Cecília Meireles

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011



" Irei mais longe que os remadores de Ulisses,
À inacessível região do sono,
À memória humana.
Dessa região imersa resgato restos
Que nunca chego a compreender."

Jorge Luis Borges

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

dois poemas ingleses



I
A madrugada inútil me encontra numa esquina deserta:
sobrevivi à noite.
As noites são ondas altivas: ondas de crista pesada,
azul-escuras, carregadas de todos os tons de terra profunda,
de coisas desejáveis e improváveis.[...]
A onda essa noite deixou-me os resíduos de sempre:
alguns amigos odiados para conversar, música
para sonhos e cinzas amargas para fumar. As coisas
que nada atendem a meu coração amargo.
A onda grande trouxe a ti.
Palavras, quaisquer palavras, teu riso; e tua beleza
tão preguiçosa e incessante. Conversamos, e tu
esqueceste as palavras.[...]
Preciso chegar a ti, não sei como: guardo os ilustres
brinquedos que me legaste, quero teu olhar oculto,
teu sorriso real - aquele sorriso solitário
e zombeteiro que teu espelho frio conhece.

II
Com que posso prender-te ?
Ofereço-te o amargor de um homem que mirou e mirou
demoradamente a lua solitária.[...]
Ofereço-te o que de revelações houver em meus livros,
o que de hombridade e humor houver em minha vida.
Ofereço-te a lealdade de um homem que nunca foi leal.
Ofereço-te o cerne de mim que conservei, não sei como
- o coração central que não lida com as palavras,
não trafica com os sonhos e é imune ao tempo,
à alegria, às adversidades.[...]

Jorge Luis Borges in o outro, o mesmo
tradução Paulo Henriques Britto

terça-feira, 18 de janeiro de 2011



" Não há mais SUBLIME SEDUÇÃO do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia."
...


Maria Gabriela Llansol

domingo, 16 de janeiro de 2011

as fontes



" Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser."

Sophia de Mello Breyner Andresen


"Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada."

Miguel Torga

sábado, 15 de janeiro de 2011




" Meu ventre é o meu mundo interior:
um espaço vazio
de tudo o que fui deixando pelo caminho.
O MELHOR LUGAR PARA ENCONTRAR-ME.
"

Miriam Reyes
imagem modificada - flickr.com

Gostei



" Gostei de saber que não estamos sós
gostei de sonhar
gostei que não dissesses o segredo
gostei de saber que ainda existes
que algures respiras o mesmo ar que eu respiro
gostei de ter esquecido o teu nome
mas ter ainda o teu nome na memória
gostei de saber que ainda há o jardim
e o banco e o lago
e que os peixes ainda lá estão
Gostei
gostei muito de saber que estás bem
e bem esquecido
no cotão do passado que não volta."

Henrique Risques Pereira

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011



Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

Nuno Júdice

terça-feira, 11 de janeiro de 2011



" O ABISMO É O MURO QUE TENHO.
SER EU NÃO TEM UM TAMANHO."

"Sonhei, confuso, e o sono foi disperso
Mas, quando dispertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo,
NÃO SÃO MAIS CLAROS DO QUE OS SONHOS SÃO."

Fernando Pessoa - Poemas Inéditos


" Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele falo palavras como lanças...
Por causa dele podem entalhar-me,
Sou de pedra sabão.

ALEGRE OU TRISTE,
AMOR É COISA QUE MAIS QUERO."


Adélia Prado


"Deveríamos considerar perdidos todos os dias
em que não dançamos pelo menos uma vez.
E deveríamos chamar FALSAS a todas as VERDADES
que não provocaram pelo menos um RISO."

Nietzsche
imagem - arte de Margherita Vitagliano


Os teus ouvidos estão enganados.
E os teus olhos.
E as tuas mãos.
E a tua boca anda mentindo
Enganada pelos teus sentidos.
Faze silêncio no teu corpo.
E escuta-te.
Há uma verdade silenciosa dentro de ti.
A verdade sem palavras.
Que procuras inutilmente,
Há tanto tempo,
Pelo teu corpo, que enlouqueceu.


Cecília Meireles - Cântico IX
Imagem - arte de ddiarte

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011


Pink Floyd - Us And Them,Solo Jazz Guitar - Jake Reichbart

sábado, 8 de janeiro de 2011



"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo.
Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos."


Sigmund Freud


" Pétalas pálidas
repousam, doloridas,
sobre a mesa.

Quem vos negou a
escassa água de um
jarro ? "

Lídia Borges - flor morta
imagem - arte de Nicolas Messyasz

o amor vem depois...



"E o amor transformou-se noutra coisa com o mesmo nome.
Era disto que falavam as mães quando davam conselhos às filhas e diziam: O AMOR VEM DEPOIS. Era isto o depois. Uma ternura simples, quase dolorosa, muitos silêncios, todas as horas do dia e um poema que se dissove dentro de mim e que, devagar, sem rosto, desaparece."

José Luís Peixoto - Gavetas de Papéis


sexta-feira, 7 de janeiro de 2011



" O coração doendo num
estertor
trêmulo de asas partidas

DIZ-ME:
Que sonhos sonhar ?
Desprovido de asas,
quem ousa voar ? "


Lídia Borges - resposta
imagem - arte de Daria Endrensen


"Aqui ninguém te ouve
Não te esqueças que o vento ajuda a voar."


Henrique Risques Pereira
imagem- arte de smooth

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011



Adriana Calcanhoto - Senhas

" eu não sou pessimista, sou triste."



"Não me indigno porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. SOFRO E SONHO. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor à minha ideia de os achar belos.
Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam,
[…]
Que me importa saber se isso é certo ou não?
Eu sofro, não sei se merecidamente.
Eu não sou pessimista, sou triste."

Livro do Desassossego por Bernardo Soares
heterônimo de Fernando Pessoa
imagem - arte de rimel neffati

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

minha memória...



" Minha memória é um rio caudaloso
Onde, às vezes, eu me vejo submersa,
Afogada, asfixiada.
É um rio de torrentes que me arrasta
E me joga de um lado para outro,
Contra rostos, mãos, casas, esperanças,
Idéias, planos, ruas, despedidas,
Montes, mares, angústias e caminhos,
Pernas, pés, praias, solidão...
Estendo as mãos, as margens longe...
E vou me debatendo
Até que a voz do tempo
E o correr dos dias
Me salvem de mim mesma
E me coloquem outra vez
Nas margens tranqüilas do esquecer."


Regina Werneck

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Como se faz



"Como se faz para pintar uma flor
que nasceu de um sonho de criança

com que tintas se pinta uma ilusão
e com que cores se colore o amor
Como se faz para escrever canções
que falem da luz daqueles olhos tristes
que falem do riso que não se escutou
e do que a gente nunca se esqueceu
Como se faz para não se esquecer
do que foi somente um dia a mais na vida
do que é feita a ilusão da vida
e de que cor eu pinto o esquecer
Não sei de cores e não sei pintar
sei bem demais só de esquecimento
mas como vou pintar este momento
em que pergunto como é que se faz"

Regina Werneck
imagem - arte de Antonio Grambone

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Era verão...pensei :


O nosso mundo



Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu amor eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos...

Os meus sonhos agora são mais vagos...
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno...
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!...

Florbela Espanca

Não uses palavras...



" Estendi a mão por qualquer coisa inocente
uma pedra, um fio de erva, um milagre
preciso que me digas agora
uma coisa inocente
Não uses palavras
qualquer palavra que me digas há-de doer
pelo menos mil anos
não te prepares, não desejes os detalhes
preciso que docemente o vento
e longínquo e o próximo
espalhe o amor que não teme

Não uses palavras
se me segredas
aquilo que no fundo das nossas mentiras
se tornou uma verdade sublime."


José Tolentino Mendonça

O tempo


[Trecho do filme: Nome Próprio]