segunda-feira, 31 de outubro de 2011
terça-feira, 25 de outubro de 2011
"Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinha porque gosto
e sim porque aprendi a ser só..."
Florbela Espanca
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
dança de não-posse
Como eram ambos jovens e se moviam ainda às cegas nas
franjas dos seus próprios desejos, a dança que faziam juntos não
era uma dança em que tomavam posse um do outro, mas uma
espécie de minuete, cujo objectivo consistia não em apropriar-se,
não em agarrar, não em tocar, mas em permitir que o máximo de
espaço e distância fluísse entre eles. Mover-se em sintonia, sem
colisões, sem se fundirem. Descrever circulos, fazer vénias em
sinal de devoção, rir dos mesmos absurdos, troçar dos seus próprios
movimentos, lançar sobre as paredes sombras gémeas que nunca
se tornariam uma só. Dançar em redor desse perigo: o perigo de
se tornarem um só! Dançar confinando-se cada um ao seu próprio
caminho. Permitir o paralelismo, mas sem que um se perdesse
dentro do outro. Brincar ao casamento, a par e passo, ler o mesmo
livro juntos, dançar uma dança de evasão na orla do desejo, per-
manecer dentro de círculos de luz sublimada, sem tocar
no âma-go que deitaria fogo ao circulo.
_____Uma hábil dança de não-posse.
Anaïs Nin
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
A vida, não tentes compreendê-la,
e então ela será como uma festa.
E que cada dia te aconteça
como a uma criança que, ao caminhar,
de cada sopro de vento
vai recebendo presentes de flores.
Apanhá-las e guardá-las,
nem nisso pensa a criança.
Tira-as devagar do cabelo
onde se sentiam tão bem,
e estende as mãos aos jovens anos
para receber novas flores.
Rainer Maria Rilke
sábado, 15 de outubro de 2011
Eis-me...
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
Sophia de Mello Breyner Andresen
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
"Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul.
O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há-de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos
[portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje
[o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.
Hoje é o dia de amanhã."
Fernando Namora
Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo -
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
- desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.
Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha -
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.
António Botto
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Alberto Caeiro
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