Entendo a metade das frases
e adivinho o resto.
O homem nunca é pedra.
O homem nunca é perda.
Era um Natal chuvoso.
Esfregava o vidro
como quem termina uma carta.
O rio encostava na parede
para se ouvir.
A memória guarda o essencial
e elimina as datas.
A memória não decora sua rua.
Arrumamos a mesa.
Colocamos velas e nozes.
Provocamos o fogo
como quem amola facas.
Cantamos a noite inteira.
Se faço silêncio hoje,
ainda escuto o trincar
dos copos, dos dentes,
a gritaria dispersa,
o abraço sem fechar o pouso, o pouco.
Improvisava o que eu seria.
Minhas roupas viveram demais
para voltar ao meu corpo.
sábado, 31 de outubro de 2009
Bipolar
Um dia li uma frase em Hegel:
"nada de grande se faz sem paixão".
Mas nada de pequeno se faz sem amor.
A paixão testa, o amor prova.
A paixão acelera, o amor retarda.
A paixão repete o corpo, o amor cria o corpo.
A paixão incrimina, o amor perdoa.
A paixão convence, o amor dissuade.
A paixão é desejo da vaidade,
o amor é a vaidade do desejo.
A paixão não pensa, o amor pesa.
A paixão vasculha o que o amor descobre.
A paixão não aceita testemunhas,
o amor é testemunha.
A paixão facilita o encontro, o amor dificulta.
A paixão não se prepara,
o amor demora para falar.
A paixão começa rápido,
o amor não termina.
"nada de grande se faz sem paixão".
Mas nada de pequeno se faz sem amor.
A paixão testa, o amor prova.
A paixão acelera, o amor retarda.
A paixão repete o corpo, o amor cria o corpo.
A paixão incrimina, o amor perdoa.
A paixão convence, o amor dissuade.
A paixão é desejo da vaidade,
o amor é a vaidade do desejo.
A paixão não pensa, o amor pesa.
A paixão vasculha o que o amor descobre.
A paixão não aceita testemunhas,
o amor é testemunha.
A paixão facilita o encontro, o amor dificulta.
A paixão não se prepara,
o amor demora para falar.
A paixão começa rápido,
o amor não termina.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Nossos inimigos dizem
Nossos inimigos dizem:
A luta terminou.
Mas nós dizemos:
ela começou.
Nossos inimigos dizem:
A verdade está liquidada.
Mas nós dizemos:
Nós a sabemos ainda.
Nossos inimigos dizem:
Mesmo que ainda
se conheça a verdade
Ela não pode mais ser divulgada.
Mas nós a divulgamos.
É a véspera da batalha.
É a preparação de nossos quadros.
É o estudo do plano de luta.
É o dia antes da queda
De nossos inimigos.
Brecht
A luta terminou.
Mas nós dizemos:
ela começou.
Nossos inimigos dizem:
A verdade está liquidada.
Mas nós dizemos:
Nós a sabemos ainda.
Nossos inimigos dizem:
Mesmo que ainda
se conheça a verdade
Ela não pode mais ser divulgada.
Mas nós a divulgamos.
É a véspera da batalha.
É a preparação de nossos quadros.
É o estudo do plano de luta.
É o dia antes da queda
De nossos inimigos.
Brecht
Mau tempo para a juventude
Em vez de brincar no bosque com os companheiros
Meu filho se debruça sobre os livros
E lê de preferência
Sobre as negociatas dos financistas
E as carnificinas dos generais.
Quando lê que nossas leis
Proíbem aos pobres e aos ricos
Dormir sob as pontes
Ouço sua risada divertida.
Quando descobre que o autor de um livro foi subornado
Ilumina-se seu rosto jovem. Eu aprovo isso
Mas gostaria de poder lhe oferecer
Uma juventude em que ele
Fosse brincar no bosque com os companheiros.
[Brecht]
Meu filho se debruça sobre os livros
E lê de preferência
Sobre as negociatas dos financistas
E as carnificinas dos generais.
Quando lê que nossas leis
Proíbem aos pobres e aos ricos
Dormir sob as pontes
Ouço sua risada divertida.
Quando descobre que o autor de um livro foi subornado
Ilumina-se seu rosto jovem. Eu aprovo isso
Mas gostaria de poder lhe oferecer
Uma juventude em que ele
Fosse brincar no bosque com os companheiros.
[Brecht]
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Espelho
[Sylvia Plath]
Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas verdadeiro —
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.
Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.
[Sylvia Plath]
tradução: André Cardoso
Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas verdadeiro —
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.
Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.
[Sylvia Plath]
tradução: André Cardoso
Para um orfão de Pai
[Sylvia Plath]
Você terá clareza de uma ausência, agora,
Crescendo ao seu lado, como uma árvore,
Uma árvore da morte, sem cor, um eucalipto australiano
Desfolhado, castrado pelo relâmpago — uma ilusão,
E um céu como um traseiro de porco,
uma total falta de atenção.
Mas justo agora você está mudo,
E amo sua ignorância,
O seu espelho cego. Olho
E não vejo rosto senão o meu, e você acha engraçado.
É bom para mim
Fazer você puxar meu nariz, um degrau de escada.
Um dia você pode tocar o que é errado
Os crânios pequenos, as colinas azuis assoladas,
o divinorrível silêncio.
Até então seus sorrisos são dinheiro achado.
[Tradução:Deisa Chamahum Chaves e
Ronald Polito de Oliveira]
Você terá clareza de uma ausência, agora,
Crescendo ao seu lado, como uma árvore,
Uma árvore da morte, sem cor, um eucalipto australiano
Desfolhado, castrado pelo relâmpago — uma ilusão,
E um céu como um traseiro de porco,
uma total falta de atenção.
Mas justo agora você está mudo,
E amo sua ignorância,
O seu espelho cego. Olho
E não vejo rosto senão o meu, e você acha engraçado.
É bom para mim
Fazer você puxar meu nariz, um degrau de escada.
Um dia você pode tocar o que é errado
Os crânios pequenos, as colinas azuis assoladas,
o divinorrível silêncio.
Até então seus sorrisos são dinheiro achado.
[Tradução:Deisa Chamahum Chaves e
Ronald Polito de Oliveira]
BONDADE
A Bondade baila em meu lar.
Dona Bondade, quanta beleza!
As pedras azul-escarlates de seus anéis
Espargem-se nas janelas, os espelhos
Transbordam de alegria.
O que é mais puro que o choro de um filho?
O choro de um coelho pode ter mais ardor
Mas ele não tem alma.
O açúcar cura tudo, diz a Bondade.
Açúcar um fluido necessário,
Seus cristais um pequeno cataplasma.
Ó Bondade, bondade
Colando os cacos com doçura!
Minhas sedas japonesas, desesperadas borboletas,
Alfinetadas a qualquer minuto, anestesiadas.
E lá vem você, com uma xícara de chá
Envolta em fumaça.
O fluxo sanguíneo é poesia,
Impossível estancá-lo.
Você me confia dois filhos, duas flores.
[Silvia Plath]
tradução de Maryluci Prado
Depto. de Letras da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A Bondade baila em meu lar.
Dona Bondade, quanta beleza!
As pedras azul-escarlates de seus anéis
Espargem-se nas janelas, os espelhos
Transbordam de alegria.
O que é mais puro que o choro de um filho?
O choro de um coelho pode ter mais ardor
Mas ele não tem alma.
O açúcar cura tudo, diz a Bondade.
Açúcar um fluido necessário,
Seus cristais um pequeno cataplasma.
Ó Bondade, bondade
Colando os cacos com doçura!
Minhas sedas japonesas, desesperadas borboletas,
Alfinetadas a qualquer minuto, anestesiadas.
E lá vem você, com uma xícara de chá
Envolta em fumaça.
O fluxo sanguíneo é poesia,
Impossível estancá-lo.
Você me confia dois filhos, duas flores.
[Silvia Plath]
tradução de Maryluci Prado
Depto. de Letras da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
domingo, 25 de outubro de 2009
sábado, 24 de outubro de 2009
FRAGMENTO DE T. S. ELIOT
O amor apenas
a si próprio tangencia
Quando agora e aqui
não mais importam
Os velhos devem
ser exploradores,
Aqui ou ali, não interessa
Devemos estar imóveis
e contudo mover-nos
Rumo à outra intensidade
A uma união mais ampla,
uma comunhão mais profunda
Através da escura frieza
e da vazia desolação,
O grito da vaga,
o grito do vento,
as águas infinitas
Da procelária e do delfim.
Em meu fim está meu princípio.
tradução de Ivan Junqueira,
extraído do livro
Poesia – de T. S. Eliot
a si próprio tangencia
Quando agora e aqui
não mais importam
Os velhos devem
ser exploradores,
Aqui ou ali, não interessa
Devemos estar imóveis
e contudo mover-nos
Rumo à outra intensidade
A uma união mais ampla,
uma comunhão mais profunda
Através da escura frieza
e da vazia desolação,
O grito da vaga,
o grito do vento,
as águas infinitas
Da procelária e do delfim.
Em meu fim está meu princípio.
tradução de Ivan Junqueira,
extraído do livro
Poesia – de T. S. Eliot
Para Cris
Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar,
não escolho,
de repente estão aí,
um bando de palavras
a pousar
uma
por
uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente
deixo-os vir. Talvez
seja isto uma árvore,
ou quem sabe,
o amor.
[Julio Cortázar]
Tradução,
Sidnei Schneider
(Cinco ultimos poemas para Cris,
Salvo el Crepúsculo 1984)
Não os vejo chegar,
não escolho,
de repente estão aí,
um bando de palavras
a pousar
uma
por
uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente
deixo-os vir. Talvez
seja isto uma árvore,
ou quem sabe,
o amor.
[Julio Cortázar]
Tradução,
Sidnei Schneider
(Cinco ultimos poemas para Cris,
Salvo el Crepúsculo 1984)
sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Quase Sempre Quase Igual
a roupa por passar
a mesa manca
a feira por fazer
a chuva na varanda
a vida desfiando seus silêncios
e o quinteto de mozart na vitrola
[Marcia Maia]
a mesa manca
a feira por fazer
a chuva na varanda
a vida desfiando seus silêncios
e o quinteto de mozart na vitrola
[Marcia Maia]
Tulipas
a beleza
mora no hálito
das cores
e a beleza
é frágil
como oceanos
e cordilheiras
...
sobretudo
a beleza é eterna
na memória
das coisas não
vividas
[Lau Siqueira – Poema Vermelho]
mora no hálito
das cores
e a beleza
é frágil
como oceanos
e cordilheiras
...
sobretudo
a beleza é eterna
na memória
das coisas não
vividas
[Lau Siqueira – Poema Vermelho]
terça-feira, 20 de outubro de 2009
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
"Sou o que falta aprender".
"Desando a Rir"
É difícil explicar uma alegria.
É fácil explicar uma tristeza.
Uma alegria é descoberta.
Tristeza é invenção.
Queria dormir como uma criança
que não quer dormir.
Há dias tão cansados que me escapa o sono.
O rosto de quem dorme demais
é o mesmo rosto de quem dorme de menos.
As olheiras são fundas como um convés inclinado.
Quando não penso, desando a rir.
Amar um corpo não é deixar acontecer,
amar um corpo é concentração.
É procurar no corpo o que o corpo não vê.
É enxergar onde a respiração se repete em música.
Ser natural é mais do que ser espontâneo.
Ser natural é esquecer.
Ser espontâneo é tentar esquecer.
Existir é uma violência.
A gente escreve para existir menos.
Ao escrever, a gente escolhe.
Ao existir, a gente é escolhido.
Ter consciência não me fez mais prevenido.
Minhas mãos são joelhos sentados.
Não sou o que aprendi.
Sou o que falta aprender.
Fabrício Carpinejar
É difícil explicar uma alegria.
É fácil explicar uma tristeza.
Uma alegria é descoberta.
Tristeza é invenção.
Queria dormir como uma criança
que não quer dormir.
Há dias tão cansados que me escapa o sono.
O rosto de quem dorme demais
é o mesmo rosto de quem dorme de menos.
As olheiras são fundas como um convés inclinado.
Quando não penso, desando a rir.
Amar um corpo não é deixar acontecer,
amar um corpo é concentração.
É procurar no corpo o que o corpo não vê.
É enxergar onde a respiração se repete em música.
Ser natural é mais do que ser espontâneo.
Ser natural é esquecer.
Ser espontâneo é tentar esquecer.
Existir é uma violência.
A gente escreve para existir menos.
Ao escrever, a gente escolhe.
Ao existir, a gente é escolhido.
Ter consciência não me fez mais prevenido.
Minhas mãos são joelhos sentados.
Não sou o que aprendi.
Sou o que falta aprender.
Fabrício Carpinejar
domingo, 18 de outubro de 2009
sábado, 17 de outubro de 2009
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
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