sexta-feira, 2 de abril de 2010

memória


..."Só é triste quem não se recorda, quem não mistura
os fatos com as impressões. Toque-me no pescoço,
o braço ficará arrepiado e será um acontecimento.
Toque-me na memória e vou me encontrar mais do
que me pertenci. Nenhuma separação é maior do que a
possibilidade de restauração da memória. Não existe
escombro que não possa servir de pedra novamente.
A memória devolve o que não tínhamos.
A memória é a saudade do que virá.
Não há quem não feche os olhos ao comer,
não há quem não feche os olhos ao cantar a música favorita,
não há quem não feche os olhos ao beijar,
não há quem não feche os olhos ao abraçar.
Fechamos os olhos para garantir a memória da memória.
É ali que a vida entra e perdura, naquela escuridão mínima,
no avesso das pálpebras. Concentramo-nos para segurar
a dispersão, para segurar a barca ao calor do remo.
O rosto é uma estrutura perfeita do silêncio.
Os cílios se mexem como pedais da memória.
Experimenta-se uma vez mais aquilo que não era possível.
Viver é boiar, recordar é nadar. Escrevo na água,
no vento da água. O passado sem os olhos fechados
é como uma roupa enrugada. Sem corpo.
Sem as folhas dos plátanos."


[Bandolim - A Pagina do Relâmpago Elétrico -Beto Guedes]

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